segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Um trecho de Albert Pike, a propósito de Maçonaria, Crise e Sociedade




    Um leitor deste blogue, em comentário ao texto Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXX, expressou a sua insatisfação pelo facto de, em tempos de crise em Portugal e na Europa, não ver aqui comentário à mesma. Seguiu-se uma troca de comentários em que penso ter explicado a posição dos maçons que aqui escrevem sobre o assunto. Mas, ao documentar-me sobre as respostas a dar, recordei uma passagem de Morals and Dogma, de Albert Pike, que julgo interessante para se ver como a Maçonaria já desde há muito tempo que sabe muito bem como cada um dos maçons deve intervir na Sociedade. Os teóricos da conspiração costumam muito citar Pike e a sua obra Morals and Dogma para elocubrarem sobre o pretenso projeto da Maçonaria de dominar a Humanidade e criar a Nova Ordem Mundial (seja lá o que isso for).
   Mas não se dão ao cuidado de ler Pike e Morals and Dogma... Este excerto que aqui transcrevo ilustra bem, creio, a postura dos maçons perante a Sociedade. E, quanto à presente Crise, destaquei e sublinhei uma passagem. Para bom entendedor... Por muito negro que seja o momento, a tormenta há de passar e este Povo há de ressurgir mais forte e mais capaz de superar as adversidades! Que assim seja! Eis o excerto: Mas o grande mandamento da Maçonaria é:
“Dou-vos um novo mandamento: Amareis uns aos outros! Aquele que disser estar na luz e odeia seu irmão, ainda estará na escuridão”.
   Estas são as obrigações morais de um Maçom. Porém, também será obrigação da Maçonaria ajudar a elevar o nível moral e intelectual da sociedade; cunhando conhecimento, trazendo ideias à circulação e fazendo crescer a mente da juventude; e colocando a raça humana em harmonia com seu destino, gradualmente, mediante ensinamento de axiomas e pela promulgação de leis positivas.
   É desse dever e trabalho que o Iniciado é aprendiz. Não deve imaginar que não pode afetar nada, e com isso desiludir-se e permanecer inerte. Está nisso, assim como está na vida diária de alguém.      Muitas grandes obras são executadas nas pequenas lutas da vida.
   Existe, nos dizem, bravura determinada porém invisível, que se defende passo a passo, na escuridão, contra a invasão fatal da necessidade e da baixeza. Existem triunfos nobres e misteriosos, que os olhos não vêem, que não têm recompensas renomadas e que não recebem a saudação de fanfarras de trompetes.
   A vida, o infortúnio, o isolamento, o abandono, a pobreza, são campos de batalha que têm seus heróis – heróis obscuros, mas algumas vezes maiores do que aqueles que ficam famosos. O Maçom deve lutar da mesma maneira e com a mesma bravura contra aquelas invasões da necessidade e da baixeza que atingem as nações assim como às pessoas. O Maçom deve enfrentá-las também, passo a passo, mesmo no escuro, e protestar contra o erro e a insensatez; contra a usurpação e contra a invasão dessa hidra, a Tirania.
   Não há eloquência mais soberana do que a verdade indignada. É mais difícil para um povo manter do que conseguir sua liberdade. Sempre são necessários os Protestos da Verdade. O direito deve continuamente protestar contra o Facto. Existe, verdadeiramente, Eternidade no Direito. O Maçom deve ser um sacerdote e um guerreiro desse Direito. Se o seu país tiver roubadas as suas liberdades, não deve desesperar. O protesto do Direito contra o Facto persiste para sempre. O roubo de um povo nunca prescreve.
   O reclamo de seus direitos nunca é barrado. Varsóvia não pode mais ser tártara do que Veneza teutónica. Um povo pode resistir à usurpação militar, Estados subjugados ajoelham-se a Estados e usam a canga sob a pressão da necessidade; mas, quando a necessidade desaparece e se o povo estiver preparado para a liberdade, o país submerso virá à tona e reaparecerá e a Tirania será julgada pela História por ter assassinado suas vítimas. Seja lá o que ocorrer, devemos ter Fé na Justiça e na Sabedoria soberana de Deus, Esperança no Futuro e benevolência Afetuosa para com os que erram. Deus torna Sua vontade visível às pessoas através de acontecimentos; um texto obscuro, escrito numa linguagem misteriosa.
   As pessoas traduzem-na imediata, rápida e incorretamente, com muitos erros, omissões e interpretações falhas. A nossa visão do arco do grande círculo é tão curta! Poucas mentes compreendem o idioma Divino.
    Os mais sagazes, os mais calmos, os mais profundos, decifram hieróglifos lentamente; e, quando voltam com seu texto, talvez a necessidade já se tenha ido há tempo; já existem vinte traduções – a maioria é incorreta e, é claro, são as mais aceites e populares. De cada tradução nasce um partido; de cada interpretação falha, uma fação. Cada partido acredita ou finge que detém o único texto verdadeiro; e cada fação acredita ou finge que apenas ela possui a Luz.
   Além disso, fações são gente cega que aponta apenas para frente, e erros são projéteis excelentes, atingindo habilmente e com toda a violência que salta de argumentos falsos, onde quer que um desejo de lógica naqueles que defendem o direito os faça vulneráveis como uma falha numa couraça. Portanto, muitas vezes seremos derrotados ao combater o erro diante do povo. Antaeus resistiu a Hércules por longo tempo, e as cabeças da Hidra cresceram tão rapidamente quanto foram cortadas. É um absurdo dizer-se que o Erro, ferido, agoniza em dor e morre no meio dos seus adoradores. A Verdade conquista lentamente.
   Há uma vitalidade surpreendente no Erro. A Verdade, realmente, na maioria das vezes, atira por sobre as cabeças das massas; ou, se um erro estiver prostrado por um momento, levantar-se-á num instante, vigoroso como nunca. Não morrerá quando o cérebro tiver sido arrancado; e os erros mais estúpidos e irracionais serão os mais duradouros. A Crise há de ser superada.
    A  Sociedade é e será o que cada um de nós e todos em conjunto delas fizermos. Que cada um aprimore a sua Sabedoria, melhore a sua Força e em tudo o que faça ponha Beleza para que do melhor de nós resulte uma Sociedade melhor, antes, durante e depois de qualquer crise!

Rui Bandeira

  Original AQUI

domingo, 30 de dezembro de 2012

Mito e Religião na Grécia


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Mito e Religião na Grécia Antiga – Jean-Pierre Vernant

   Diferente dos outros livros sobre os quais escrevi aqui, este não se preocupa em contar um ou vários mitos e sim em discutir o significado destes mitos. É um pequeno ensaio que discute o significado e significante dos mitos e da religião entre os gregos.
   Jean-Pierre Vernant era um historiador e antropólogo francês, especialista em Grécia Antiga e mitologia grega. Portanto é o livro de um historiador, e por isso a abordagem é histórica e historiográfica. Mas não é recheado de terminologias específicas da área a ponto de deixar texto incompreensível aos leitores leigos.
Religião Cívica
   Vernant discorre sobre a tendência histórica que separou os mitos retratados em poemas e no teatro do seu significado religioso. Sobre as mudanças ocorridas e as permanências verificadas durante os séculos, da época Micênica à época Clássica. Da re-utilização dos templos, que mudam a estrutura e interagem com o meio e a época.
   Segundo Vernant a religião na Grécia se fundamenta na tradição, passa de geração a geração, nas famílias e através de poetas e contadores de histórias. Ela não tira as pessoas de seus afazeres cotidianos e sim faz parte deles.
   A religiosidade grega está ligada aos atos cívicos, dele faz parte e do que a pessoa é, ao que ela pertence.  Não é uma religião voltada para a salvação individual, neste ou em outro mundo.
   Por não ser uma religião dogmática e sim de usos e costumes, com deuses tão complexos quanto os próprios humanos, com poderes, esferas de atuação e de culto que se entrelaçam, a ponto de não se poder ir à guerra sem pedir proteção e ajuda a Atena, a Ares e a Zeus, sem correr o risco de desagradar ou deixar de receber ajuda de algum aspecto necessário à vitória ou sobrevivência às batalhas.

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   Para mim, como leitora leiga, um dos mais interessantes aspectos apresentados desta religião cívica é o fato do sacrifício de animais ser ao mesmo tempo uma oferenda aos deuses e uma oportunidade para o consumo da carne. Os gregos só podem consumi-la através do sacrifício ritual, onde a parte devida aos deuses é devidamente queimada, e a destinada ao consumo humano é distribuída.
   Imagino que uma hecatombe constituía um verdadeiro ato de distribuição de carne entre os cidadãos, tornando-se um ato cívico e religioso que daria prestígio a quem o realizasse.

Misticismo Grego

   No final do livro há uma abordagem, que achei extremamente interessante, sobre os cultos marginais desta religião, chamado de Misticismo Grego. Cultos estes que são aceitos apesar de não fazerem parte do que se espera do cidadão ou de claramente terem sido introduzidos posteriormente à vida cívica.



   O que se pode considerar como o melhor adaptado ou aceito são os mistérios de Eleusis, que são, até certo ponto, uma festividade cívica. Mas seu sentido é estranho ao cotidiano religioso da polis. Ser ou não iniciado em Eleusis não alterava o status do cidadão grego.
    Também há o culto a Dionísio, o último deus a ser aceito entre os deuses olímpicos, o único filho de uma mortal aceito como deus. Dionísio representa o Outro, aquele que questiona a ordem existente. Seu culto, suas festas, seus delírios coletivos e rituais foram assimilados e incorporados à religião grega, mas não estão ao lado dos rituais cívicos já existentes, e sim como uma forma de complementação e aceitação da existência deste Outro e de sua excentricidade.
   Os cultos órficos são, entre estes cultos marginais, os mais estranhos à teologia fundadora da religião grega. Com seu repúdio ao consumo de carne – consumo este que é o que liga os homens aos deuses através dos sacrifícios rituais – a busca da salvação individual e sua forma doutrinária, o Orfismo opõe tantos aos mistérios, ao dionisismo quanto à religião cívica. O que não impediu que fosse aceita entre os gregos e tivesse certa influência na vida da pólis.
   Por fim, este livro de Vernant é uma leitura extremamente interessante e apresenta uma visão da religiosidade grega que instiga o leitor a ir além do mero conhecimento da existência dos deuses olímpicos, discutindo o significado que estes deuses, suas histórias, cultos e sincretismos tiveram na vida do povo grego.

Vernant, Jean Pierre – Mito e Religião na Grécia Antiga, Martins Fontes, São Paulo, 2006


Original AQUI

A Árvore e a Folha


A Árvore e a Folha – J.R.R. Tolkien
   Este é um pequeno livro dividido em duas partes: o ensaio “Sobre Histórias de Fadas” e o conto “Folha por Niggle.” Os dois estão relacionados, pelo autor, pelos símbolos da Árvore e da Folha (Tree  and Leaf é o nome original deste livro).
   Vou me restringir ao ensaio e deixar conto Folha por Niggle por conta dos leitores, que é uma história maravilhosa, uma fábula de como pode se dar um processo criativo, uma crítica social ou apenas uma bela história de entretenimento. E, por isso mesmo, difícil de ser resenhada de forma mais objetiva.

Sobre Histórias de Fadas
   Sobre Histórias de Fadas é leitura indispensável para quem quer entender sobre o fascinante mundo da fantasia e do reino das fadas. Um dos poucos trabalhos acadêmicos de J.R.R. Tolkien traduzido e publicado no Brasil.
   Parte do que é dito pressupõe o conhecimento de contos e histórias que não são muito conhecidas pelos brasileiros (como a lenda sobre a mãe de Carlos Magno), mas nada que atrapalhe o entendimento do livro e da tese do autor.
   É o livro de um filólogo e, por isso, Tolkien começa por fazer uma análise filológica da definição de Fada, Faerie e outros termos, como seria esperado de um autor que afirmou que “primeiro vem a palavra, depois a história”.
   A Faerie ou Belo Reino é um mundo onde o fantástico tem vez e não é, em si, um local bom ou mal, mas o local onde o que é fantástico para os humanos pode existir. Não é um reino de fadinhas pequenas que residem em flores, e sim de seres que habitam outro reino, outra realidade, muito próxima à nossa e tão assustadora quanto.
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   A irritação do autor com a “diminuição” do tamanho das fadas, de seres fantásticos e únicos para pequenos seres com asas de borboleta é apenas o começo de toda uma teoria acerca da “sopa cultural” que deu origem às histórias de fadas como as conhecemos hoje. E é claro, ele põe um pouco da culpa por esta “diminuição de estatura” em Shakespeare (a irritação de Tolkien com Shakespeare chega a ser folclórica..)
   Ele começa traçando um breve histórico de como os contos de fadas adquiriram esta visão contemporânea, que as relegou ao quarto das crianças e contemplando visões do que começou a ser considerado “adequado” para crianças e acabou incluindo histórias que sequer foram escritas com o intuito de serem lidas por crianças (Aventuras em Lilliput é o exemplo mais berrante desta distorção).
   Tolkien define que o encantamento que os seres da faerie exercem sobre nós é reflexo do que queremos, daquilo que os encanta no mundo real. Estes seres apenas utilizam nossos desejos e ceder ou não a eles, saber distinguir os verdadeiros desejos dos falsos é algo que cabe ao humano.
   “O Belo Reino é um lugar que existe fora do nosso mundo do qual temos vislumbres e no qual alguns humanos podem entrar em locais específicos. Dificilmente os seres de lá se interessam por nosso mundo e a maioria das histórias de ‘contos de fada’ são sobre aventuras de humanos neste reino, e não histórias sobre os seres de lá.”
   Tolkien também nos apresenta o conceito de subcriação, bem como uma interpretação de como as histórias de fadas de vários povos se misturam num grande “caldeirão de histórias”, que permitiu a inclusão de personagens históricos, como Carlos Magno, em histórias que seriam tipicamente do mundo da Faery.  E como seres do Belo Reino às vezes são incluídos em histórias que não teriam, originalmente, características que as classificariam como Histórias de Fadas e sim apenas como Fantásticas.
   Por fim, este ensaio é de fácil leitura e indispensável não apenas para quem se interessa pela obra literária de J.R.R. Tolkien, e para todos que se interessam pelos conceitos de contos de fadas, fantasia, criação e subcriação. É uma obra que tornou-se referência para diversos outros autores que se dispuseram a discorrer sobre Contos de Fadas, nos mais variados campos do conhecimento, como o psicólogo Bruno Betttelhein e o escritor Neil Gaiman.
Tolkien, J.R.R:  Sobre Histórias de Fadas – Conrad Editora do Brasil Ltda
Veja a versão original AQUI.