domingo, 30 de dezembro de 2012

Mito e Religião na Grécia


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Mito e Religião na Grécia Antiga – Jean-Pierre Vernant

   Diferente dos outros livros sobre os quais escrevi aqui, este não se preocupa em contar um ou vários mitos e sim em discutir o significado destes mitos. É um pequeno ensaio que discute o significado e significante dos mitos e da religião entre os gregos.
   Jean-Pierre Vernant era um historiador e antropólogo francês, especialista em Grécia Antiga e mitologia grega. Portanto é o livro de um historiador, e por isso a abordagem é histórica e historiográfica. Mas não é recheado de terminologias específicas da área a ponto de deixar texto incompreensível aos leitores leigos.
Religião Cívica
   Vernant discorre sobre a tendência histórica que separou os mitos retratados em poemas e no teatro do seu significado religioso. Sobre as mudanças ocorridas e as permanências verificadas durante os séculos, da época Micênica à época Clássica. Da re-utilização dos templos, que mudam a estrutura e interagem com o meio e a época.
   Segundo Vernant a religião na Grécia se fundamenta na tradição, passa de geração a geração, nas famílias e através de poetas e contadores de histórias. Ela não tira as pessoas de seus afazeres cotidianos e sim faz parte deles.
   A religiosidade grega está ligada aos atos cívicos, dele faz parte e do que a pessoa é, ao que ela pertence.  Não é uma religião voltada para a salvação individual, neste ou em outro mundo.
   Por não ser uma religião dogmática e sim de usos e costumes, com deuses tão complexos quanto os próprios humanos, com poderes, esferas de atuação e de culto que se entrelaçam, a ponto de não se poder ir à guerra sem pedir proteção e ajuda a Atena, a Ares e a Zeus, sem correr o risco de desagradar ou deixar de receber ajuda de algum aspecto necessário à vitória ou sobrevivência às batalhas.

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   Para mim, como leitora leiga, um dos mais interessantes aspectos apresentados desta religião cívica é o fato do sacrifício de animais ser ao mesmo tempo uma oferenda aos deuses e uma oportunidade para o consumo da carne. Os gregos só podem consumi-la através do sacrifício ritual, onde a parte devida aos deuses é devidamente queimada, e a destinada ao consumo humano é distribuída.
   Imagino que uma hecatombe constituía um verdadeiro ato de distribuição de carne entre os cidadãos, tornando-se um ato cívico e religioso que daria prestígio a quem o realizasse.

Misticismo Grego

   No final do livro há uma abordagem, que achei extremamente interessante, sobre os cultos marginais desta religião, chamado de Misticismo Grego. Cultos estes que são aceitos apesar de não fazerem parte do que se espera do cidadão ou de claramente terem sido introduzidos posteriormente à vida cívica.



   O que se pode considerar como o melhor adaptado ou aceito são os mistérios de Eleusis, que são, até certo ponto, uma festividade cívica. Mas seu sentido é estranho ao cotidiano religioso da polis. Ser ou não iniciado em Eleusis não alterava o status do cidadão grego.
    Também há o culto a Dionísio, o último deus a ser aceito entre os deuses olímpicos, o único filho de uma mortal aceito como deus. Dionísio representa o Outro, aquele que questiona a ordem existente. Seu culto, suas festas, seus delírios coletivos e rituais foram assimilados e incorporados à religião grega, mas não estão ao lado dos rituais cívicos já existentes, e sim como uma forma de complementação e aceitação da existência deste Outro e de sua excentricidade.
   Os cultos órficos são, entre estes cultos marginais, os mais estranhos à teologia fundadora da religião grega. Com seu repúdio ao consumo de carne – consumo este que é o que liga os homens aos deuses através dos sacrifícios rituais – a busca da salvação individual e sua forma doutrinária, o Orfismo opõe tantos aos mistérios, ao dionisismo quanto à religião cívica. O que não impediu que fosse aceita entre os gregos e tivesse certa influência na vida da pólis.
   Por fim, este livro de Vernant é uma leitura extremamente interessante e apresenta uma visão da religiosidade grega que instiga o leitor a ir além do mero conhecimento da existência dos deuses olímpicos, discutindo o significado que estes deuses, suas histórias, cultos e sincretismos tiveram na vida do povo grego.

Vernant, Jean Pierre – Mito e Religião na Grécia Antiga, Martins Fontes, São Paulo, 2006


Original AQUI

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